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Soro antidiftérico do Butantan salva vidas no Reino Unido, EUA e América Latina

Entre 2021 e 2022, o Butantan incrementou em quase sete vezes as exportações de soro antidiftérico, imunobiológico produzido no Instituto desde 1906 que é, até hoje, a principal forma de tratamento específico contra a difteria. No período, o número de países atendidos pelo Instituto saltou de três para dez – entre eles estão Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, Colômbia e República Dominicana –, enquanto a quantidade de frascos enviados aumentou de 380 para quase 2.500. Cerca de 1.000 unidades também são entregues anualmente ao Ministério da Saúde para atendimento da demanda interna.

De acordo com o diretor de Parcerias Estratégicas e Novos Negócios, Tiago Rocca, são dois os fenômenos que têm impulsionado a busca pelo soro antidiftérico do Butantan: as baixas coberturas vacinais em todo o mundo e a escassez de produtores capazes de fabricar um produto de altíssima qualidade.

“Manter o esquema de imunização em dia, principalmente o das crianças, que podem ser acometidas por casos mais graves da doença, é a melhor maneira de prevenir a difteria – uma doença não erradicada, cuja bactéria segue circulando. Vacinas como a pentavalente e a tríplice bacteriana, por exemplo, configuram a proteção necessária”, afirma.

Já o soro antidiftérico é um produto estratégico para os países manterem em estoque, visto que é a única forma de tratar os agravos provocados pela difteria. Diante desse risco real, diversas nações de alta e baixa renda têm procurado o Butantan para fornecimento.

Recentemente, ocorreram surtos na Nigéria, Venezuela, Haiti e Peru, após décadas sem nenhum registro da doença nesses países. “Precisamos enviar o produto para Roraima a fim de proteger nossa população fronteiriça. Casos também foram reportados em países europeus, como Suíça e Alemanha, muito em função da falta de vacinação”, observa a diretora técnica de produção de soros do Butantan, Fan Hui Wen.

Até o início da década de 1990, a produção do soro antidiftérico estava em ascensão, justamente porque a doença circulava em todo o mundo. Mas com o advento das campanhas de imunização e a alta aplicação da vacina tríplice bacteriana – que protege contra difteria, tétano e coqueluche –, o problema foi controlado.

Em paralelo, a cadeia produtiva do soro antidiftérico necessitou adequar-se às Boas Práticas de Fabricação (BPF) e o Butantan respondeu com investimentos significativos na obtenção automatizada de plasma, matéria-prima dos soros hiperimunes obtida de equinos, assim como na manutenção de laboratórios especializados no cultivo de bactérias, ambientes apropriados para a conservação e imunização dos animais, e melhorias das plantas industriais para o processamento do plasma, purificação, formulação e envase dos soros.

As exigências regulatórias e a baixa demanda pelo soro antidiftérico acabaram levando a um abandono progressivo na sua fabricação. “As empresas farmacêuticas privadas, diante dessa conjunção de fatores, passaram a se desinteressar pelo fornecimento desse produto, mas para uma instituição como o Butantan, manter a produção de soro antidiftérico é uma questão de responsabilidade com a saúde pública. Mesmo que a utilização seja pequena, é um produto que não pode faltar, pois se porventura isso acontecer, pessoas podem morrer”, reforça Fan Hui.

Em todo o planeta, são menos de cinco produtores aptos para atender a demanda mundial – entre eles, o Butantan. “É fato que a qualidade dos nossos imunobiológicos e a imagem secular da instituição também nos colocam em evidência”, diz a diretora de produção. Não à toa, em 2021 o Instituto venceu licitação da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) para fornecer cerca de 1.500 frascos anuais de soro antidiftérico a diferentes países da América Latina por um período de três anos. “Foi um reconhecimento da OPAS à qualidade e superioridade do nosso soro em relação aos concorrentes”, completa Fan Hui.

Em 2023, o Butantan também começou a exportar seu soro antidiftérico para duas importantes organizações de ajuda humanitária mundial: os Médicos Sem Fronteiras e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). “Ser o fornecedor dessas agências é mais um crivo relevante para o mercado internacional. Assim como a própria certificação da nossa Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é uma das oito agências de saúde reconhecidas pela OPAS na América Latina, traz mais respaldo para as exportações”, observa Tiago Rocca.

Desafios e perspectivas

Segundo o diretor de Parcerias Estratégicas e Novos Negócios, um dos principais desafios para atender e, consequentemente, ampliar as exportações de soro antidiftérico é antever as demandas e programar a produção dos lotes produtivos, visto que os países compradores geralmente solicitam um soro recém-fabricado, com capacidade de “durar” o máximo possível em estoque – ou seja, 36 meses.

Outra questão vital é acompanhar de perto as taxas de vacinação em todo o globo, pois uma vez que o volume de pessoas não imunizadas aumenta, a necessidade por tratamento se torna iminente. “Estamos falando de um produto essencial, que não tem substituto. Seguir com o fornecimento do soro antidiftérico também é fundamental para a nossa estratégia de internacionalização, uma vez que nos abre muitas portas, até mesmo para o fornecimento de vacinas”, conclui Tiago Rocca.

Ainda que em menor escala, o soro antidiftérico nunca deixou de ser fabricado pelo Instituto. Mesmo entre 2014 e 2015, quando a planta de soros fez uma parada estratégica para se adequar às BPF, a instituição comercializou todo o seu estoque e manteve uma produção mínima para atender às demandas internas.

Atualmente, o Butantan é o único produtor público brasileiro apto a fornecer soros hiperimunes ao Ministério da Saúde. Com a adequação de outros laboratórios brasileiros às normas regulatórias, a expectativa é que a organização passe a compartilhar a responsabilidade de suprimento da demanda interna e, assim, possa direcionar maiores volumes do produto para atender o mercado internacional.

Sobre a doença

A difteria é uma doença infecciosa, causada pela bactéria Corynebacterium diphtheriae, e taxa de mortalidade de 5% a 10%. No organismo humano, a bactéria se aloja na região das amígdalas, formando espécies de placas, e libera toxinas capazes de obstruir as vias aéreas, dificultando a respiração.

Dor de garganta, gânglios inchados no pescoço, febre e mal-estar estão entre os principais sintomas. Além disso, as toxinas da bactéria podem desencadear quadros de miocardite, levando ao sofrimento dos músculos cardíacos e, em casos mais graves, ao óbito.

Além de antibiótico para eliminar as bactérias, o tratamento é feito com soro antidiftérico, que inativa as toxinas e interrompe o avanço da doença. De acordo com Ministério da Saúde, a principal medida para prevenção da difteria é a imunização com a vacina pentavalente, aplicada ainda nos primeiros meses de vida do bebê.

Informações da pasta mostram que entre 2008 e 2022, apenas dez óbitos pela doença ocorreram em todo o país. No entanto, desde 2016 as coberturas vacinais no Brasil estão em queda, assim como em boa parte do globo. Dados da OMS e do UNICEF apontam que em 2022 mais de 20 milhões de crianças em todo o mundo deixaram de tomar uma ou mais doses da vacina contra difteria, tétano e coqueluche, acendendo um importante alerta para uma possível volta da doença.

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